Pedais e outras coisitas más
Nestas últimas semanas, a preparação para as apresentações alterou as atividades de todxs os envolvidos no processo criativo. Dos exercícios, das improvisações, passamos a buscar uma disposição das cenas para sua apresentação.
Durante a fase anterior, os sons produzidos eram tanto indutores de movimentos quando se valiam dos movimentos do atores. Soluções rápidas e imeditas eram necessárias. Não havia a dicotomia que na maioria das canções se trabalha: a linha principal da voz/melodia, e seu acompanhamento. Assim, diante dessa dispersão sonora, o ponto de partida não era a da hierarquia de papéis entre os intérpretes e o compositor em cena.
Com a preparação das cenas para apresentação, todas essas vivências que nos expuseram a diversas relações entre cena e som foram redefinidas. Duas situações foram vieram ao primeiro plano: as canções de cena e as cenas individuais ou de duplas.
Nas canções de cena as ações esperadas da produção sonora foram explicitadas:
a- dar a referência de altura e tonalidade para o começo da canção e para o resto da performance vocal
b- manter um pulso
c- enfatizar as texturas: plano vocal, plano instrumental
d- decisões sobre timbragem específica
Assim, ao invés de produzir novo material sonoro a cada ensaio, era e tem sido mais importante regularizar as performance. Como não estamos trabalhando com notações musicais e roteiro , há oscilações ainda na duração das performances e nos movimentos. Com isso, ou o grupo se gerencia como grupo ou há diferenças significativas entre o resultado sonoro-performativo de casa cena: um grande grupo produzindo pouco som, daí se apequenando; um grande grupo com movimentos hesitantes.
Para mim, as dificuldades ou as necessidades dessa mudança de orientação do trabalho compositivo são perceptíveis. Primeiro, quanto às canções, era preciso definir a estrutura da canção, a melodia e a harmonia. Ainda, qual melhor altura.
As canções foram compostas pelo grupo, durante os ensaios. Então, como um jogo, uma brincadeira foram adquirindo forma. Há canções completas, como números musicais isolados, e há canções incidentais, performadas dento das cenas. Uma das questões debatidas inicialmente era o uso de materiais prévios. Há uma tendência a se cantar no teatro o repertório prévio, aquilo que as pessoas ouvem. Em nosso caso, como trabalhando com a criatividade em todos os níveis, era mais comum ser criativo com o corpo e não com os sons. Há uma longa tradição de separar som e cena. As músicas normalmente são prégravadas, e disparadas em cena por algum dispositivo. O problema é que essa música pré-gravada é fixa, já foi feita. Então, o ator tem de se moldar a esse material prévio. No nosso caso, essa posição confortável diante dos sons foi enfrentada com as criações coletivas das canções.
Quanto as cenas, seja os monólogos, seja os duos, há mais complicações. Durante o processo criativo, a partir do tema geral de grana, ganância, e diante do terrorismo reacionário crescente, foi proposto aos intérpretes que eles trouxessem cenas.
No início, as cenas eram apresentadas como explorações de ideias e movimentos, sem acompanhamento musical. Depois havia a produção de sons, seguindo aquilo que há anos fazemos nesse projeto que começou com Hugo e eu, e agora se amplia com Flávio Café.
Com a preparação das cenas para as apresentações, no lugar de sons novos e novos moviementos para cada dia de ensaio, as sequências de ações e sons tiveram de se estabilizar. Como nada está escrito, há flutuações de tempo e ações. A sequência das ações e seu detalhamento foi a primeira atividade conjunto, antes da normalização da parte musical. Então, era mais producente que as ações dos agentes em cena encontra-se uma sucessão temporal realizada para que o trabalho com os sons se efetivasse.
Como auxílio, elaborei uma tabela das cenas, com espaços para a descrição das ações, indicação das deixas, e a escolha das opções de timbragem(pedais).
Nos últimos ensaios, tivemos resultados não muito satisfatórios: como estava testando os sons, houve por parte dos intépretes de cena, da condução dos ensaios e da audiência imediata(intérpretes que não estão realizando a cena do monólogo ou das duplas) respostas não positivas, estranhamento. Novamente, como nada está escrito, o uso de um pedal ou outra acarreta diferentes sonoridades, e , disto alterações no "caráter da cena". Assim, uma definição mais cômica de uma cena, como a cena das cédulas, pode ser interrompida pela decisão de um pedal que traga mais distorção. Ora, no caso aqui, está em jogo uma aproximação entre as expectativas de encaixe entre cena e som. Se as expectativas seguem pressupostos de se confirmar um encaixe mais síncrono entre as referências da cena e os sons disparados, há a tendência de se adotar tais e tais formas, como se o som continuasse o que é mostrado visualmente. Em uma outra definição, por exemplo, irônica, a desconexão seria outra opção.
Após as incertezas e pesquisas de sonoridades nestes últimos ensaios, no último ensaio foram tomadas decisões mais efetivas: os timbres foram escolhidos para cada cena e anotados na tabela. Disso houve uma fluidez melhor das cenas em si.
O desafio agora é o da fluidez entre as cenas, para que as mudanças de timbre sejam processadas. Há que se encontrar o timing das mudanças timbrísticas. Pois são, em virtude do som produzido, fruto de operações mecânicas.
Isso é um outro tema.
Antes, para finalizar, durante os ensaios, na cena do monólogo "Wandergay", temos a produção de algo que foi um achado durante o processo criativo: para o final da cena, há uma tríplice divisão entre a fala do ator, o canto do coro, que entoa adaptação de trechos da famigerada canção "Festa no Apê" e as sonoridades com delay da guitarra. É um climáx da cena que projeta uma agressivo golpe acústico no público ao mesmo tempo que encena divisão em múltiplas perspectivas da personagem.
Ainda, além da lista das cenas, foi fundamental voltar nos vídeos e identificar quais efeitos eu havia empregado nas cenas. Não se trata de tentar repetir tudo o que foi sonoramente performado. Muitas vezes, há uma conexão entre o timbre e o groove ou entre timbre e o motivo que uso. Depois se seguem variações a partir desse motivo, tudo em função do desenvolvimento da cena. Sobre esse uso dos vídeos, haveria a possibilidade de se retirar das gravações as diversas cenas e compará-las.
Há desde as primeiras ideias até as tentativas de maior regularização entre a sucessões de ações dos intérpretes e as propostas de som do compositor em cena.
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