Dessincronizar som e movimento

 Como falamos depois dos exercícios, uma das propostas dos treinamentos é ter ao mesmo tempo que a composição dos movimentos a composição de sons. 

Normalmente, temos músicas como um fundo para nos acompanhar em nossas vidas.  Esses sons seguem padrões de sequência de acordes, de divisão em partes, de retornos esperados. Assim, a música fica domada, na esfera do previsto. O já escutado se confirma a cada nova audição.

Então, a primeira coisa a fazer é desautomatizar nossa percepção, mexer com nossos hábitos perceptivos {um ensaio bem legal sobre isso é "A arte como procedimento de Victor Chklóvski.link: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5753346/mod_resource/content/1/Chklo%CC%81vski.%20A%20arte%20como%20procedimento_nova%20traduc%CC%A7a%CC%83o.pdf)

Em nosso caso as coisas são duplas, de dupla via: se o caminho para a criatividade das ações físicas é buscado, é preciso que haja complementarmente criatividade sonora. Se eu quero criatividade no movimento mas me apoio em uma relação reprodutiva com sonoridades, eu vou limitar minha criatividade nas ações físicas.  Se libero as sonoridades de uma prévia definição a hábitos perceptivos, então eu libero a criatividade no movimento.

Em termos mais diretos, essa liberação vem de uma dessincronizar, de compreender quão diversos são as materialidades e os tempos do som e do movimento físico. São dimensões conjugadas mas diversas. Eu vejo o movimento dos corpos, mas não vejo o som. São mídias diferentes em tempos diversos.

Assim, um movimento no espaço começa - um gesto, um abrir os braços. Logo se segue uma sonoridade vindo de uma fonte sonora, de um outro corpo físico. Essa sonoridade não reproduz inteiramente o que eu faço com meu corpo, nem meu corpo repete o que o som realiza. Eu tento me afinar, seguir o som, mas não vejo, não enquadro o que faço com meu corpo com aquilo que escuto.  Há convergências, tangências, mas não há identidades absolutas entre som e movimento dos corpos no espaço.  E por que haveria?

Temos, pois, uma nova premissa, um novo ponto de partida: no lugar de ser impulsionado de colar o movimento ao som, por que não romper com a moldura perceptiva habitual, com essa redoma acústica e explorar o movimento não em sincronia com um som domado e sim simultaneamente a um som livre? Liberdade chamando liberdade. 

Comentários

  1. Estar em cena é como entrar em outra frequência, outra dimensão, outra forma de existir e perceber a realidade. Perceber o som de diferentes maneiras é ampliar sensivelmente a capacidade de brincar com os elementos cênicos.

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