NOTAS SOBRE RELACIONAMENTO ENTRE SOM E CENA

 Gente, como vocês podem ter observado, durante os ensaios no teatro temos a condução dos exercícios pelo Flávio Café e mais ao lado sonoridades produzidas por mim . Normalmente as oficinas e aulas de preparação de atores se fixam mais ora nas palavras ora no movimento. Quando há produção de sons, geralmente temos sons músicas reproduzidas e amplificadas. Ou seja, temos obras sonoras previamente organizadas que são utilizadas durante o ensaio.

Uma das novidades que os teacs que eu e o Hugo Rodas orientávamos era a presença de um músico produzindo sons ao vivo. Eu chamei isso de "O compositor na sala de ensaios", retomando a expressão de Murray Schafer no livro Ouvindo Pensante.

Com o compositor na sala de ensaios, temos o exercício criativo de se produzir sons em simultaneidade aos atos da condução dos ensaios e dos intérpretes. Essa triangulação, esse "triágulo", estrutura as ações neste teac.

De meu lado, eu não me preocupo em imitar todos os movimentos dos interpretes. Os sons são elaborados no momento e sua execução. Há uma série de decisões criativas que são instantâneas: é preciso ouvir o que a orientação solicita e acompanhar os atos os intérpretes. Há momentos coletivos, individuais, de grupos, trios, etc. Para cada um uma estratégia.

Há divergências e convergências entre o material sonoro produzido e as proposições dos intérpretes.  Na maior parte das vezes eu me preocupo em capturar um gesto, que é um tema, um ponto de partida. Esse ponto de partida vai ser variado, modificado. E muitas vezes ele retorna. Nos momentos de grupo ou coletivos isso é mais perceptível. 

Assim, muitas vezes eu começo com algo reconhecível, identificável, algo simples, um som, um ritmo. Isso gera o ponto de partida para as posteriores transformações. 

Ou seja, há uma atividade de construção em ação, como a do movimento. Não estou pegando uma estrutura harmônica e trazendo pro palco, algo que já toquei. Assim, não trago uma canção já feita, com seus começos, meios e fins. 

Temos uma relação cotidiana com sons e músicas: ouvimos canções em casa, nos bares, nas danceterias, etc, ouvimos e cantamos juntos canções. Esse é o uso social das canções. Em grande parte das vezes, a canção fica em um segundo plano, um "fundinho". Aqui, no teac, misturamos os planos.  Na verdade estamos todos compartilhando o espaço comum da cena. 

Um exemplo de hoje. Na exercício em que foi sugerido um envolvimento entre duplas, a ideia ou tema inicial para traduzir essa situação foi a de dançar junto como uma valsa. Comecei com um grid ou uma forma standard de valsa, me valendo ciclos de três tempos, com o primeiro mais acentuado. Esse forma inicial foi a referência, que fui modificando, primeiro na harmonia, introduzindo sons mais dissonantes, interrompendo cadências e funções harmônicas esperadas. Então, após isso, fui mudando os acentos, e esse grid, desfigurando a sensação de valsa. Com isso,  expus-me e expus os intérpretes à tensão entre o esquema de valsa,  que continua a ressoar por constraste e em relação às modificações feitas. Assim, o grid, a forma padrão é utilizada como referência para depois ser desconstruída, mas continua a ressoar. Essa continuidade em transformação de algo que já não soa como era mas ressoa alterada foi o efeito produzido, essa valsa não-valsa.  Se se pode fazer isso com sons, por que não fazer com os movimentos? Na maioria das vezes partimos de algo que sempre fazemos, de estereótipos, de esquemas, de reproduções. E se começarmos a desfigura o já figurar, desfamiliarizar o familiar? Sair da situação de conforto. Seria para mim mais fácil e tranquilo ficar tocando uma valsinha comum. Mas hoje já não é mais mais fácil nem divertido fazer isso. 


Vamos nos aprofundar mais nisso depois. Penso em não compor a música que vocês têm na cabeça de vocês. Tudo é feito de sons. Há sons em tudo.  Há diversos modos de nos relacionarmos com os sons. Vamos experimentar. 

Hoje foi muito legal. abs. 


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